Saturday 1 June 2013

Conto - José Miranda Filho

A Flor do reencontro, by Debora Andrade
Encontro de Amigos - Parte 19

Fernandes era o segundo de três irmãos. Não conhecia, porém, nenhum deles, e de seus pais tinha apenas uma tênue lembrança. Os pais o abandonaram quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Foi viver na casa de um tio que, tempos depois, faleceu forçando-o a viver na rua, pois não conhecia nenhum parente com quem pudesse morar. Viveu na rua até a idade de 12 anos, quando um casal do interior da Bahia, da cidade de Senhor do Bonfim, acolheu-o e deu-lhe o carinho que não tivera. Será que este tipo de amor ainda existe nos dias de hoje? Certamente que sim! Ainda há pessoas que agem motivadas pelo amor de Cristo. Ações como esta só as fazem pessoas que têm Cristo no coração. Enfim. Cristo enviou alguém para cuidar daquele garoto que ficou à deriva das vicissitudes da vida.

Fernandes era um moço alegre e bem esperto, apesar do sofrimento que passou na rua, da falta de um lar, da fome e da miséria que teve de suportar. Jamais fumou craque ou se drogou com qualquer outro tipo de entorpecente, durante os quase cinco anos que viveu na rua. Sua vida se transformou a partir do dia que foi acolhido pela família de José Pereira, que lhe deu um novo lar e muito carinho.

Conheci-o no Colégio Marista de Senhor do Bonfim onde fizemos o curso secundário como era designado o primeiro grau de hoje. Tínhamos a mesma idade, 14 anos. O ensino naquela época era bem mais intensivo do que hoje. Àquela época aprendia-se Inglês, Francês, Latim, etc. Assistíamos missa todos os dias às sete horas da manhã, quando acordávamos sob o silvo estridente do apito do Irmão Pio, um professor da Congregação. Eram padres, mas não tinham o poder da sagração, isto é não podiam praticar e nem ministrar os sacramentos: celebrar missa, batizar, casar, confessar, dar a comunhão, etc. Pertenciam à ordem dos Irmãos Maristas, instituto de ensino formado de religiosos leigos, com votos simples, fundado em 1817 por Padre Marcellin Champagnat. Eram religiosos educadores. No ano de 1956, terminamos o curso. Fernandes já o havia concluído um ano antes e em seguida, com autorização de seus pais adotivos, embarcara para São Paulo, com a esperança de encontrar seus pais genéticos e seus irmãos, pois tinha informação de que eles estariam na cidade de São Caetano do Sul, Estado de São Paulo.

Desembarcou numa tarde de inverno, fria e úmida. O sol se escondia entre as nuvens escuras, impedido de lançar seus raios pelo revoar dos trovões tenebrosos e assustadores. Foi direto para o endereço que lhe deram. Nada encontrou, nem mesmo o nome da rua. Não havia coisa alguma, nem ao menos parecido. Na única rua que tinha semelhança de nome com a que lhe deram só existiam quinze Ele perguntou de casa em casa e pelas imediações e ninguém jamais ouvira falar o nome de Agamenon Alves Ferreira. Ninguém o conhecia. Não obteve qualquer pista que fosse capaz de devolver-lhe a esperança de encontrá-lo.

Passaram-se alguns anos.

Fernandes conseguiu diplomar-se em administração de empresa e tornar-se executivo de uma multinacional do setor de aços, com filiais no mundo inteiro. Nunca mais havia tido notícia de seus pais e irmãos. Também deixou de procurá-los por algum tempo. Numa tarde de sol, ao passear pelo Jardim da Luz, como fazia comumente aos domingos após o almoço, viu um homem, que a princípio julgou ser um dos seus irmãos, o mais novo, do qual ele trazia alguma recordação. Abordou aquele senhor alto e magro, bem barbeado, de cabelos grisalhos e bem vestido. Sentaram-se num banco da praça e começaram trocar ideias. Um verdadeiro interrogatório se estabeleceu entre ambos. Cada um queria saber da vida do outro. Quem era um... Quem era o outro....Instantes depois tiveram a confirmação: Eram realmente irmãos. Era o Felício, o mais novo. Abraçaram-se, lágrimas enternecidas foram derramadas por ambos os irmãos que o destino separou abruptamente. Fernandes perguntou pelos pais, pelos demais irmãos e de tudo obteve resposta: O pai havia falecido alguns anos atrás: ele mesmo fora o declarante e a pessoa que reconheceu o corpo, senão teriam enterrado como indigente. Ele foi achado caído na rua, esmagado por um veículo, sem documento algum que o identificasse. Soube ao ler os jornais do dia na coluna necrológica, porque também o procurava. Da mãe nunca tivera qualquer informação. Jamais tivera qualquer notícia de seu paradeiro. Dos irmãos, tinha leve conhecimento apenas de um, Renato, o irmão do meio, que sabia onde morava, mas que nunca teve qualquer contato com ele, por ser rebelde e não querer aproximação. Agora os dois juntos iriam à procura de Renato. Por um momento Fernandes lamentou a falta de sorte por não encontrar os pais vivos, mas mesmo assim estava feliz por ter encontrado alguém de sua família, um dos seus irmãos, com quem poderia, de agora em diante, compartilhar seus sentimentos e dividir suas alegrias. Alguns dias depois, foram ao encontro de Renato.

Em pouco tempo por fim, metade da genealogia estava restaurada. Faltava apenas a árvore principal. Esta não tinha como encontrá-la. Estava morta. Encontraram Renato exatamente no endereço que Felício possuía. Renato era o irmão mais novo. Estava bem, gozando de boa saúde, bem empregado e estabilizado na vida. Perguntaram-lhe se tinha notícia da mãe. Renato respondeu que apenas soube da mãe um dia, quando lendo as páginas de desaparecidos nos jornais surpreendeu-se ao ver o retrato de uma senhora que fora encontrada desfalecida sob a Ponte das Bandeiras. Obteve mais detalhes e constatou ser a própria mãe. Ela estava internada num asilo público destinado aos idosos. Ia visitá-la sempre constantemente. Ela não o reconhecia mais. Não falava, apenas olhava para ele como se quisesse recordar-se de alguma coisa do passado. Nada pôde fazer por ela, mas não lhe faltou qualquer amparo. Não tinha mais condições de recuperar sua saúde debilitada pela dureza das ruas de São Paulo. Quando faleceu, pode dar-lhe um enterro digno e uma sepultura decente. Ela está enterrada no túmulo que possui no cemitério da Consolação. Os três irmãos foram até o túmulo da mãe. Depositaram flores e acenderam velas. Oraram. Renato ainda nada sabia do Pai. Depois de se certificar do acontecido, os irmãos, finalmente, providenciaram a transferência dos corpos para uma única sepultura, para que ao menos ficassem juntos na eternidade. Trasladaram os corpos para o túmulo que acabaram de adquirir no cemitério das Lágrimas, em São Caetano do Sul.

Atualmente Fernandes reside com os pais adotivos, vizinho dos irmãos, únicos parentes sanguíneos, que moram na mesma rua. Fernandes é proprietário de uma confortável casa de seis suítes, com piscina, lareira, churrasqueira e todo o conforto necessário para ele e para seus pais adotivos, atualmente com noventa anos de idade. Tudo está ao alcance do casal José Pereira e deles. Dois médicos e duas enfermeiras se revezam 24 horas por dia para cuidar da saúde deles.

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