Saturday 1 June 2013

Conto - Cesar Cruz


Really?
A Ruindade do Mundo

Apoiado no batente da porta, vejo o eletricista arrumar a fiação do meu chuveiro. Gosto de ver especialistas realizando suas tarefas.

— Quem fez essa instalação aqui? — de repente ele pergunta.

— O João — eu digo.

O João é um faz-tudo que presta servicinhos pros moradores lá do prédio, um homem simples que mexe com elétrica, hidráulica, pinturas, rebocos e outras coisas do gênero. Só não chamei o João dessa vez porque não o encontrei; e esse, que agora está aí a trabalhar no meu chuveiro, localizei através de um cartão jogado por debaixo da minha porta.

Assim que ele chegou pra arrumar o chuveiro, aproveitei e pedi um orçamento prévio para o conserto da torneira elétrica e uma geral na máquina de lavar roupas. Tinha, até agora, arrumado um bom cliente.

— Pois o João fez um serviço de preto aqui! — ele responde.

Sinto um choque ao ouvir isso. Um lado meu ainda quer supor que possa ter se tratado meramente do uso de uma expressão infeliz. Devolvo pra checar:

— Mas serviço ruim não tem a ver com a cor do homem, você não acha?

— Ah, tem sim! Preto quando não faz na entrada faz na saída!

Ouço aquilo com mais tristeza do que ira. Ele teve sorte. Se me pega uns 10 anos antes, possivelmente eu o tiraria de cima da escada na base da bordoada e o jogaria porta a fora com um pontapé na bunda. Mas não hoje... Outrora um jovem irascível, agora sou um homem de meia-idade, com um espírito em franco processo de amansamento.

Me ponho a pensar no pobre do João, que calado faz seus bicos pelo bairro há tantos anos sem maldizer ninguém. Penso na minha filhinha, que é preta, assim como eu e a Vanessa, que ficamos todos pretos em casa depois da chegada dela. Penso em todos os meus amigos pretos e nos pretos que não conheço que estão por aí, gente que batalha a vida nesse mundão injusto que é o nosso país. E penso também em Jesus, o carpinteiro que era amigo de brancos, pretos, pobres, ladrões, doentes e prostitutas, e que ensinou que o amor do Pai cobre a todos. O mesmo Jesus que, inexplicavelmente, aparece comunicado no cartão do eletricista.

— Acabei — ele fala, descendo da escada — Vamos combinar os outros serviços do senhor pra semana que vem?

— Mudei de ideia — eu digo simplesmente, dando o dinheiro pra ele e conduzindo-o para a rua.

Que o Homem é uma flor seca, eu já sei. Mas gosto de pensar que, algum dia, a ruindade do mundo vai acabar. E gente desse tipo vai sim arrumar chuveiros.

Lá no inferno.

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